Realmente esse tema me interessou muito por algumas razões: primeiro porque nunca gostei de acumular coisas... moramos em espaços pequenos e temos de decidir em oferecer espaços para nós mesmos ou para coisa que acumulamos, muitas das vezes sem serventia nenhuma para nós ou, se tem alguma serventia, mas que é dispensável, ficamos apegadas àquilo que, talvez, ficaríamos melhor sem.
Fiz essa introdução para contar um pequeno episódio que me valeu muito como experiência de vida.
Eu tinha uma cômoda de estilo Shabby chic rústico que eu amava. Ficava no meu quarto com meus cosméticos e minhas caixas de bijouteiras, embaixo de um espelho de madeira maciça muito bonito.
Ela também era de madeira maciça em parte. Digo em parte porque as partes não-aparentes, como fundo e tampo eram revestidas com madeira nobre, mas o recheio havia sido feito com madeira branca.
Diante desse quadro pouco nobre o cupim atacou e atacou feio. Tentei de todas as maneiras combater a praga, mas ela foi mais forte e detonou a cômoda. Não satisfeitos com a peça os cupins atacaram meus armários de quarto, minhas portas e tudo de madeira que viam pela frente. A devastação foi tamanha que resolvi fazer uma reforma no apartamento e resolvi botar tudo fora, literalmente, inclusive a cômoda-xodó. Pedi aos pedreiros da obra que a levassem para baixo e colocassem-na na minha garagem até ver o que fazer com ela.
Foi ai, nesse ponto da história, que o desapego começou: minha amiga e vizinha, Elisa, arquiteta de Casa Cor, viu o potencial da desprezada e me pediu para ficar com ela. Consenti, não sem antes lhe avisar do poder destruidor dos famigerados cupins, ao que ela retrucou ter uma fórmula mágica para combatê-los, e foi explicando, explicando e eu não mais a ouvia, porque meu coração estava lá, com certeza, em alguma daquelas gavetas.
Passados alguns dias, encontrando-me de novo com ela na garagem, vem ela me falar da epopéia da restauração da cômoda e de como havia ficado bonita em sua sala.
Havia tirado todo o tampo comido de cupim, trocado o fundo, lixado, e, simplesmente, aplicado óleo de Peroba, já que a madeira por si só, crua, já era bonita. No tampo colocou um mármore de Carrara, o que deu uma imponência à peça...
NEM PARECE A MESMA, falou, VÁ LÁ VER COMO FICOU CHIQUE A MINHA SALA.
Grunhi qualquer coisa, quase morrendo por dentro, despedi-me dela, entrei no carro já mortificada.
Ia me encontrar com minha filha mais velha e ao toparmos contei a ela o acontecido e foi ai que o desapego, realmente, aconteceu. Foi na fala sábia de minha filha que, não só me esqueci da cômoda como, juro por Deus, fiquei satisfeita de minha cômoda, agora, enfeitar a sala de minha amiga arquiteta. Minha filha me disse:
-- Mamãe, esqueça a cômoda! Há um tempo para cada coisa! Seu tempo com a cômoda terminou, agora começa o tempo dela com a Elisa.
Foi como se eu estivesse sentindo muita dor e tivesse tomado morfina naquele momento.