Mulher – 8 de Março
Fui professora por vinte e cinco
anos dos quais vinte e três dedicados à EJA – Educação de Jovens e Adultos.
Minha sala era composta por operários da construção civil, empregadas
domésticas, donas de casa, babás ou pessoas do mercado de trabalho que
necessitavam de estudos para garantir a permanência no emprego.
Minhas aulas eram ministradas
estimulando a participação do aluno para que pudesse interagir, aumentar a
auto-estima e assim conseguir se expressar. As histórias eram de cunho diverso,
ora alegres, ora tristes, ora revoltantes.
Numa ocasião dessas, em que a
conversa girava em torno de suas experiências de vida, Lúcia, cujo nome
verdadeiro aqui omito, contou a sua que passo a narrar agora.
Ela havia sido moradora de rua, pois
fugiu de casa porque era espancada pela mãe. Não era miserável, visto que tinha
um tio que era delegado, mas criança que vive nas ruas não tem lar, não tem
família... esse é o quadro.
Contou-nos ela que passava frio e
fome, mas era melhor do que o ambiente de casa.
Uma vez, morta de fome, passou
por uma lanchonete e viu um sujeito comendo um sanduíche. Ela não gostava de
pedir esmolas, mas naquele dia a fome falou mais alto e se aproximou. Abordou o
indivíduo e pediu para que lhe pagasse algo
para matar a fome. O olhar de desprezo lançado em direção a ela foi tamanho que
ela abaixou a cabeça, mas não saiu dali... queria matar a fome... queria
preencher aquele buraco no estômago que a fazia envergar.
— Oh, garçom, faça um sanduíche pra mim, gritou o sujeito.
Lúcia vibrou por dentro... iria
comer finalmente. Afastou do balcão, à espera da comida. Finalmente, lá vinha o garçom om o pratinho com um enorme pão redondo aparecendo por cima do prato.
Aproximou satisfeita do balcão e ficou estarrecida com o que aconteceu a seguir.
O sujeito, aparentemente caridoso, literalmente, pegou o sanduíche jogou-o no
chão, pisou em cima esfregando-o com o sapato. Apanhou-o e o entregou à Lúcia.
– Agora é seu... pode comer, disse.
Com o sanduíche as mãos,
escondendo-o atrás do corpo, como se pudesse esconder a vergonha, saiu da
lanchonete. Queria estar longe dali. Olhou o sanduíche e, com e lágrimas
escorrendo pelo rosto, comeu-o mesmo assim.
A partir daquele dia nunca mais
pediu nada pra comer... passou a viver do lixo.
— “ Era mais digno professora... pelo menos
era uma sujeira escolhida por mim”.